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10/06/2021 21:18h - Brasília - Geral

Estado deve indenizar jornalistas feridos pela polícia em manifestações, decide STF

A ação envolve o repórter fotográfico Alex Silveira, que perdeu 80% da visão do olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha. Marcello Casal Jr./Agência Brasil.

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta 5ª feira (10.jun.2021) que o Estado deve indenizar jornalistas feridos pela polícia durante a cobertura de manifestações. O processo é importante porque tem repercussão geral reconhecida. Ou seja, a ordem da Corte deve ser seguida por todos os juízes e tribunais brasileiros em casos envolvendo profissionais da imprensa. A ação envolve o repórter fotográfico Alex Silveira, que perdeu 80% da visão do olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha. O jornalista fazia uma cobertura em 2000 para o jornal Agora quando foi ferido pela PM (Polícia Militar). O episódio foi em São Paulo. A disputa judicial chegou ao STF porque o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) entendeu que Silveira, por estar cobrindo manifestação em que houve tumulto, foi o único culpado pelo ferimento que quase o cegou. Assim, segundo o Tribunal paulista, o profissional não merecia indenização. O Supremo derrubou a decisão do TJ-SP por 10 votos a 1. A maior parte dos ministros seguiu o voto de Marco Aurélio, relator do processo. Apenas Kassio Nunes Marques divergiu, ficando vencido. Segundo o relator, há responsabilidade do Estado nos casos em que os jornalistas são feridos. Também afirmou que os profissionais da imprensa devem ser protegidos para que atuem em ambientes seguros. Eis a íntegra do voto (87 KB). “A quadra atual, marcada por manifestações populares, revela a necessidade de garantir o pleno exercício profissional da imprensa, a qual deve gozar não só de ambiente livre de agressão, mas também de proteção, por parte das forças de segurança, em eventual tumulto”, disse. Alexandre de Moraes seguiu o relator dizendo que não faz sentido culpar jornalistas atingidos por policiais. “Qual a culpa exclusiva da vítima se ela estava tão somente realizando a sua atividade profissional? Não é razoável exigir dos profissionais de imprensa que abandonem a cobertura de manifestações públicas em que haja conflito entre a polícia e os manifestantes. Isso acabaria propiciando notícias incompletas, imprecisas, equivocadas. Há risco? Há. Mas o risco é maior se o Poder Judiciário entender que a cobertura jornalística não tem nenhuma proteção”, pontuou. Depois de formar maioria pela responsabilidade do Estado, os ministros fixaram, em repercussão geral, a seguinte tese proposta por Alexandre de Moraes: “É objetiva a responsabilidade civil do Estado em relação a profissionais de imprensa feridos por agentes públicos durante cobertura jornalística em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente de responsabilidade da culpa exclusiva da vítima nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física.” DIVERGÊNCIA O ministro Nunes Marques divergiu. Para ele, o Supremo não pode fixar uma tese sobre o caso debatido, já que é necessário avaliar individualmente os casos concretos de ferimentos a profissionais da imprensa para saber se houve ou não culpa do Estado. Ele também disse que há jornalistas que se colocam em situação de risco e que o Estado não deve ser penalizado por causa de pessoas que se “infiltram” na multidão sem o conhecimento da polícia. “Há o jornalista que acompanha a polícia, com a autorização desta, e às vezes até com o uso de coletes e equipamentos cedidos pela própria polícia. Há jornalistas que se infiltram na multidão, com ou sem o conhecimento da polícia, mas com o uso de roupa que o destaca e o identifica como jornalista. Há o jornalista que casualmente se depara com o tumulto e resolve cobri-lo de forma imediata, sem comunicações prévias. Há um jornalista que desobedece ordens para se afastar do tumulto. E até o jornalista que se mistura com os personagens da ação, buscando o melhor entendimento e uma experiência radical da notícia”, afirmou. O ministro pontuou, por fim, que se a Justiça de São Paulo, que estava mais próxima dos acontecimentos, entendeu que o jornalista é culpado pelo ferimento por supostamente ter se colocado em situação de risco, não cabe ao Supremo revisar a decisão. Alexandre de Moraes, que já havia votado na 4ª feira (9.jun), pediu a palavra para discordar de Nunes Marques. Ele explicou que o simples fato do repórter ter sido atingido no olho mostra a imperícia dos agentes, uma vez que os protocolos da PM de São Paulo definem que balas de borracha só podem ser desferidas até a altura da cintura. “A mera análise exclui a possibilidade de culpa exclusiva da vítima, as balas de borracha foram utilizadas pela primeira vez pelos ingleses contra os irlandeses. Desde então, de 1970 até hoje, em todos os protocolos das polícias militares do Brasil, e na da PM de SP, a bala só pode ser desferida da cintura para baixo. É um protocolo mundial e, garanto aqui, é o protocolo da polícia de SP. Se o ferimento for da cintura para cima, isso já mostra a imperícia e imprudência de quem manuseou. Quando atinge o olho, a culpa exclusiva da vítima já está afastada”, pontuou. Luís Roberto Barroso, ao fazer referência ao voto de Nunes Marques, disse que não é possível assumir que jornalistas são culpados por ferimentos causados pela polícia. Para ele, os profissionais não correm risco em manifestações em nome próprio, mas em nome do interesse público. “O jornalista não estava lá propriamente correndo um risco em nome próprio ou em interesse próprio, ele estava lá correndo risco pelo interesse público que todos nós temos de saber o que acontece em uma manifestação e se a repressão policial se deu de maneira proporcional”, afirmou.

Fonte: Poder360

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