28/01/2024 18:12h - Kiev - Mundo

Documentário registra últimas palavras de soldado rondoniense que morreu em guerra na Ucrânia

Soldado Júlio César Sales Soeiro era integrante da Legião Estrangeira que ajuda o exército ucraniano contra a invasão russa, ele morreu em combate.

Felipe Corona Especial para o Rondoniavip No último dia 25 (quinta-feira passada) foi lançado o documentário “A Legião Estrangeira na Ucrânia – Conheça alguns dos brasileiros e latinos que lutam pela liberdade”. A produção está disponível no canal do YouTube, Mundo em Revolução, que conta com mais de 130 mil inscritos, e registrou as últimas palavras em vídeo do soldado rondoniense Júlio César Sales Soeiro, de apenas 23 anos, morto em novembro do ano passado após ser atingido por um míssil, enquanto estava em combate. O militar rondoniense que já estava na Europa há algum tempo, morreu logo após as gravações do documentário em solo ucraniano. “Sou brasileiro. Antes de vir para a Ucrânia, eu não estava no Brasil, estava na Europa. Quando eu estava no Brasil, era militar do Exército Brasileiro. Vim para a Ucrânia seis meses depois que começou o combate, após a invasão russa”, disse ele, explicando como chegou até lá. E completa: “Minha motivação é que eu nunca gostei de comunista. Essa foi minha primeira motivação de combater o comunismo. Apesar da Rússia ser um país grande, invadiu um país menor por ambição. Ser maior do que qualquer outro. Mesmo a Ucrânia sendo menor, seu povo é valente. Resolvi vir e lutar do lado desse povo”. Júlio César ainda disse que não conhecia a Ucrânia antes de entrar em combate contra o exército russo. “Na verdade, eu não sabia nada sobre a Ucrânia antes de vir pra cá. Eu nem sabia que existia na verdade. Sobre o Leste Europeu era só a Polônia e pronto. Quando começou, a Rússia invadiu a Ucrânia, fiquei curioso. Gosto da vida militar, vou lá conhecer esse país. Tá em combate, tá em guerra, vou lá. Cheguei aqui, gostei muito da Ucrânia. Um país muito bonito, as pessoas bem legais. Gostam muito de estrangeiros, são bem amigáveis. Já estou aqui há algum tempo e pretendo ficar”. O soldado ainda comentou detalhes de como atuou no Exército Brasileiro. “No Brasil, eu ingressei nas Forças Armadas em 2019. Fiquei três anos no 1º BIS, Batalhão de Infantaria de Selva, onde inclusive eu conheci três soldados americanos que iriam fazer o curso de operações e guerra na selva. Já foram soldados russos também. É um centro de operações e guerra na selva. Conhecido pelo mundo inteiro. Fiquei lá, servi. Depois que saí, fui para a França, para a Legião Estrangeira Francesa. Como qualquer militar, lutar em um país diferente, são outras culturas, não me adaptei muito bem. Mas gostei muito, uma experiência boa. Depois de lá, vim para a Ucrânia”. Júlio César continua: “No 1º Batalhão de Infantaria de Selva, o treinamento tem quatro fases. Para soldados é diferente de oficiais de carreira. O curso de operações de guerra na selva é um curso bem forte, bem pesado. São poucos que conseguem terminar a formação. Inclusive teve muitos americanos que foram já e falaram: - Ah, eu vou na selva. A coisa é bem diferente. Para nós soldados é praticamente a mesma coisa. É um pouco mais teórico. É um curso cansativo, treinamento bem pesado, vários dias na selva, com desgaste físico e mental. Para quem não é acostumado com a selva, ela mesmo te mata. A selva é pra quem é de selva. Para quem não é, tem que se adaptar. Se não se adaptar, não conclui o curso. Apesar de eu ser brasileiro, depois que você entra, o treinamento é diferente. Na Legião [Estrangeira] foi mais o frio mesmo, porque o clima é diferente”. Ele conta qual momento mais difícil enfrentou na guerra da Rússia contra a Ucrânia: “A nossa missão era chegar até a linha de frente, fazer a substituição da equipe que estava lá. Mas nós íamos para outro flanco. Aí nesse flanco, o comandante falou que havia russos por perto. Era um flanco que não tínhamos visão. Era época de chuva. Fui eu, três ucranianos, quatro legionários e outros de outra companhia. Estávamos indo, quando de repente, fomos surpreendidos pelos russos. Tivemos três feridos. Fiquei sozinho lá na frente, porque fiquei atolado lá no barro, não conseguia me mexer. Inclusive eu tive esperar que parar o fogo, porque não tinha como revidar. Para mim, foi a experiência mais dura, pois se me pegasse, não tinha como”. Júlio César ainda falou sobre a “emoção” de estar combatendo o inimigo: “Adrenalina. Quando eu estou em ação, o que eu mais sinto é chegar e cumprir a missão. Adrenalina lá em cima é normal. Todos nós sentimos medo, mas é normal. É controlável, isso é psicológico. Força, coragem e ir pra cima do inimigo”. Para ele, “às vezes, o mais assustador é a artilharia russa. Porque se você está indo para um combate, se você consegue ver o inimigo, você consegue responder o fogo. Mas se você não vê o inimigo, o fogo de artilharia não tem como fazer nada. Pra mim, o mais assustador é a artilharia”. O militar rondoniense ainda comentou como vê os membros do outro lado da guerra: “O que eu posso falar do soldado russo? Eu jamais subestimo meu inimigo, porque há vários tipos de pessoas. Tem soldado russo que é bom, com certeza. E tem soldado russo que é ruim. Mas pra mim, é inimigo. Pode ser bom ou ruim, não tem diferença”. Júlio César ainda acreditava que “há muitas desinformações. A mídia posta uma coisa ou posta outra. Muito da população acredita no que vê. Não no que a gente que está aqui no combate vê. As pessoas lá no Brasil acreditam que a Rússia invadiu a Ucrânia e está tudo destruído e não tem mais ninguém. Isso é mentira. Há muitas desinformações e isso às vezes atrapalha o trabalho de quem realmente está aqui. Muitas pessoas dizem que é loucura. Só quem está aqui é que sabe como estão as coisas”. Infelizmente, como ele gravou sua participação antes de sua morte trágica, ele ainda achava que nada iria acontecer com ele, além de poder rever seus familiares mais uma vez. “A minha família sabe que estou aqui, todo mundo sabe. Minha mãe apoia, todo mundo apoia, mas tem coisa de família, preocupados. Preocupação o tempo inteiro, mas eu creio que não vá acontecer nada e eu pretendo visitar minha família no Brasil”. Ele ainda afastou o rótulo de combater apenas por dinheiro: “A propaganda russa comenta que nós somos mercenários, mas eu não me considero mercenário. Nem outros aqui, ninguém é mercenário. Estamos aqui porque gostamos da profissão, recebemos para isso, então compramos nosso equipamento. Estamos ajudando um país. Não só pela ganância de dinheiro, poder. Dinheiro para mim não é tudo, mas não somos mercenários”. Por fim, Júlio César ainda acreditava que “a Ucrânia vá ganhar a guerra porque tá recebendo muito suporte dos países da União Europeia, vários equipamentos. Porém, a Rússia infelizmente está recebendo da Coreia [do Norte], mas isso não indica nada, porque a Ucrânia tem um povo muito forte, valente. Com certeza, esse suporte que os Estados Unidos e outros países tem dado para combater o comunismo, vai vencer essa guerra”. Perda No dia 17 de novembro do ano passado, o Itamaraty por meio da Embaixada do Brasil em Kiev confirmou a morte de Júlio César. A informação também foi reforçada pela irmã à época, Juliana Sales, que mora em Machadinho D'Oeste. De acordo com a família, o jovem de 23 anos teria morrido dois dias antes, em 15 de novembro, após ser atingido por um míssil juntamente com o grupo que era voluntário em uma cidade conhecida como Adviivka, onde as forças russas estavam intensificado os ataques. Veja a íntegra do documentário:

Fonte: Jornal Rondoniavip

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