Três meses após a concessão de quase 700 km da BR-364 à iniciativa privada, a Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) do Senado finalmente promoveu, nesta segunda-feira (19), duas audiências públicas em Rondônia para debater o contrato firmado entre a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o consórcio vencedor do leilão. As reuniões ocorreram em Ji-Paraná, pela manhã, e em Vilhena, no período da tarde.
Apesar da relevância do tema e do impacto direto sobre a economia, os usuários da rodovia e as comunidades indígenas, o debate só foi levado à população local quase 90 dias após a assinatura da concessão, o que gerou críticas por parte de representantes do setor produtivo e lideranças sociais.

“Essas audiências estão ocorrendo tarde demais. Quando o contrato já foi assinado e os termos estão em execução, restam poucas alternativas. A sensação é de que a sociedade está sendo apenas comunicada, e não ouvida”, criticou Carley Welter, da Associação Nacional de Transporte de Cargas.
Críticas à modelagem da concessão
Entre os principais pontos questionados nos encontros estão:
Apenas 107 km dos 686,7 km concedidos serão duplicados;
Início tardio das principais obras, previsto para o quarto e quinto anos de contrato;
Cobrança de pedágio antes da entrega das melhorias;
Tarifa considerada elevada frente à baixa contrapartida em infraestrutura.
Os senadores Marcos Rogério (PL-RO), presidente da CI, e Jaime Bagattoli (PL-RO), responsáveis pelo requerimento das audiências, classificaram o modelo como desequilibrado. “Não estamos questionando a concessão em si, mas os termos abusivos do contrato”, afirmou Marcos Rogério. A demora na mobilização parlamentar, no entanto, não passou despercebida.
Leilão com pouca concorrência
O leilão da Rota Agro Norte ocorreu em 27 de fevereiro de 2025 na B3, em São Paulo, com vitória do Consórcio 4UM Opportunity BR — formado pela 4UM Investimentos (ex-J. Malucelli) e o banco Opportunity. Houve apenas uma proposta válida, com deságio de 0,05% na tarifa.
O contrato prevê sete praças de pedágio, duplicação parcial, faixas adicionais, passarelas e estrutura de apoio aos motoristas.
Impactos econômicos e sociais
Empresários alertaram que os custos logísticos podem subir até R$ 2 mil por viagem, prejudicando especialmente o agronegócio. “Estamos sendo penalizados sem ver o benefício. A conta chegou antes do serviço”, disse Liomar Carvalho, da Associação Comercial de Ji-Paraná.
Povos indígenas denunciam exclusão
Representantes dos povos Cinta Larga, Suruí e Gavião relataram que não foram consultados previamente, como exige a Convenção 169 da OIT. A BR-364 corta ou influencia áreas de pelo menos dez terras indígenas e unidades de conservação.
“Nos ignoraram completamente. Estamos sendo atropelados por um projeto que nos afeta diretamente”, disse Gilmar Cinta Larga.
O Ministério Público Federal e organizações indígenas já judicializaram o processo, apontando ilegalidades no procedimento.
Defesa oficial
O diretor-geral da ANTT, Guilherme Sampaio, garantiu que a cobrança só começará após melhorias no pavimento e destacou um pacote de investimentos de R$ 10 bilhões, com geração de 90 mil empregos. Segundo ele, a concessão poderá reduzir em até 22% as mortes na rodovia, que registrou mais de 10 mil acidentes nos últimos oito anos.
Propostas e pressões
O ex-senador Acir Gurgacz defendeu o uso de recursos federais para ampliar a duplicação. Já Marcos Rogério sugeriu a revisão do modelo por meio de um contrato híbrido. A senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) reforçou que a BR-364 é essencial para o Centro-Oeste: “Não podemos pagar caro por uma solução incompleta”.
Apesar das manifestações, a sensação predominante nas audiências foi de que o debate chegou tarde demais. Agora, com o contrato já em vigor, a pressão da sociedade e dos parlamentares se limita a ajustes pontuais — e não à reversão do modelo.