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23/04/2022 08:57h - Brasil - Saúde

Atraso no diagnóstico de malária: como doença continua fazendo vítimas em todo Brasil

'Quase morri por atraso em diagnostico de malária': como doença continua fazendo vítimas em todo Brasil - Foto: Divulgação

Predominante na região amazônica, a malária é uma doença infecciosa que se manifesta cerca de 15 dias após a picada de um mosquito contaminado por um protozoário. Há tratamentos simples e efetivos atualmente, mas se o diagnóstico não é feito de forma precoce, o que acontece de forma frequente em Estados onde a doença não é comum, o quadro pode evoluir para febres altas, cansaço extremo, alteração da consciência, hemorragias e outros sintomas preocupantes. Em 2020, foram notificados nos Estados da região amazônica 144.911 casos e 39 mortes. Nas demais regiões do país, foram 319 casos e 11 mortes, representando, proporcionalmente, 132 vezes mais mortes fora das regiões amazônicas, onde a doença é menos comum. Por falta de familiaridade com a malária, pacientes que vieram infectados de outros Estados ou países demoram para ter os sintomas reconhecidos corretamente por profissionais de saúde fora dos centros de referência da doença. 5 médicos diferentes até começar tratamento Para a carioca Izabella Delfino Ramos, o diagnóstico demorou a chegar, mesmo após ela avisar os profissionais de saúde que havia estado em uma área endêmica da malária. Estudante de direito da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, no Rio de Janeiro, Izabella passou 2018 muito interessada em estudar como a tecnologia interferia na sua área. "Como era ano eleitoral e fake news estavam surgindo, desenvolvemos um projeto sobre isso e por ele eu fui convidada a conhecer o Polo Avançado José Veríssimo em Oriximiná, município no Pará e realizar uma pesquisa sobre informações e cidadania nos quilombos da Calha Norte", diz ela. Antes da viagem, ela precisou checar se estava em dia com a vacina contra a febre amarela, mas nada além disso. "Como meu pai é paraense e minha mãe é do Pantanal, eu já conhecia alguns cuidados, como tentar usar calças e blusas de manga compridas para evitar picadas de insetos. Viajamos em um grupo de cerca de 20 pessoas e subimos o Rio Trombetas e afluentes por cerca de 15 dias, ida e volta, com professores, e pós-graduandos", lembra ela, que na época tinha 21 anos. No quilombo da Tapagem, a agente comunitária de saúde e líder do quilombo informou de um surto de malária na área e pediu para que, caso os visitantes apresentassem sintomas, realizassem o "teste da lâmina", um exame rápido pelo qual, com uma gota de sangue colocada em um microscópio, consegue-se localizar o protozoário. "Ela explicou que o tratamento era simples e que não havia mortes, e o grupo encarou a informação tranquilamente. Usávamos repelentes constantemente na pele e eu não descia do barco para me molhar no rio, ou seja, acreditava estar protegida sempre", diz Izabella. Duas semanas depois da volta, Izabella assistia a apuração dos votos do segundo turno das eleições presidenciais quando sentiu um calafrio forte, algo que nunca havia experimentado antes. Horas depois, notou que também estava com febre. "Enviei uma mensagem para o diretor da minha faculdade, que vai para Oriximiná regularmente há muitos anos, para perguntar se ele pensava que poderia ser malária e ele duvidou, porque nunca teve", relata. Como a febre da malária se manifesta em ciclos e pode cessar por mais de um dia antes de voltar, a estudante imaginou que pudesse estar com virose ou dengue. "Mas procurei hospitais no SUS, e em todos eles eu informava: 'Eu vim de uma zona endêmica de malária'. Passei por quatro médicos do SUS em datas diferentes e a doenças seguia progredindo muito, até que decidi buscar um médico particular, que também informou que não acreditava se tratar de malária." Izabella já apresentava sintomas bastante assustadores quando recebeu a ligação de um técnico de enfermagem, que, mesmo sem conseguir entrar em contato com o médico responsável, avisou à jovem que os resultados eram graves e que ela deveria dar entrada no setor de emergências. Além da febre alta, eu vi meus dedos azuis 'tampa de caneta' e senti o sangue parar de fluir para a minha cabeça. Tive muitos vômitos e dificuldade para me manter em pé." No mesmo dia ela teve a notícia de que um professor da pós-graduação apresentou sintomas da malária, mas, por já ter sofrido com a doença durante uma viagem para a África, percebeu os sinais rapidamente, foi até o ambulatório da Fiocruz no Rio, pegou os medicamentos e voltou pra casa. "Quando a febre baixou, consegui, com um cansaço indescritível, organizar minha ida sozinha para o atendimento de emergência da Fiocruz. No táxi, tive a pior febre da minha vida, era como se eu estivesse congelando mesmo com muito calor dentro do carro. Cheguei ao local com pressão arterial 80x40 [o normal é por volta de 80x120], frequência cardíaca em 152 [considerada alta para uma pessoa em repouso] e quase 41ºC de febre", lembra Izabella. Na Fundação, um profissional de saúde realizou o teste para malária com sangue arterial colhido por meio do acesso à pelve de Izabella e ela recebeu as medicações: cloroquina, primaquina e artusanato, que atuam contra o protozoário causador da malária, o plasmodium. "Nos primeiros dias, eu não aguentava ficar com nenhuma delas no corpo, vomitava tudo." Depois de cinco dias de internação, Izabella recebeu autorização para continuar o tratamento em casa e um atestado de um mês em casa em repouso porque baço e fígado estavam inchados, outra sequela, geralmente temporária, da doença. "Retornei à Fiocruz para mais alguns exames depois, e à eles sou eternamente grata por terem me dado auxílio. Ainda no primeiro dia lá, acessei o manual/guia do Ministério da Saúde que relata que morrem mais pessoas de malária fora da zona endêmica do que na zona endêmica em si. Acredito que eu não consegui ter lido ele antes por causa do intenso cansaço. Na Fiocruz me mostraram o quão simples é o teste da lâmina que ninguém fez durante os 10, 15 dias que eu passei mal em casa." "Eu quase morri, mas aprendi a ser muito mais cuidadosa com atendimentos médicos em geral e mal posso esperar para voltar à Amazônia", completa a jovem.

Fonte: BBC BRASIL

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