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06/04/2019 08:08h - Bielorrússia - Mundo

A vala coletiva que revela um capítulo pouco conhecido do Holocausto

Dois homens com roupas camufladas escavam ao lado de caixa com ossos

Soldados raspam a poeira dos ossos lenta e suavemente. Entremeados com esses restos mortais, estão pedaços de pano e solas de sapatos. Aos poucos, em um canteiro de obras no oeste de Belarus, se desenrola um capítulo pouco conhecido do Holocausto. A vala comum foi descoberta durante a construção de um edifício residencial. Desde então, soldados especialmente treinados desenterram os restos mortais de mais de mil judeus, mortos quando a cidade de Brest foi ocupada pela Alemanha nazista. "Há claros buracos de balas nos crânios", diz Dmitry Kaminsky. Sua equipe geralmente procura ossos dos soldados soviéticos. Mas, aqui, já descobriu pequenos crânios de adolescentes e um esqueleto feminino com os restos de um bebê, como se ela o estivesse embalando. Antes da 2ª Guerra Mundial, quase metade dos 50 mil habitantes de Brest eram judeus. Logo após a invasão alemã em junho de 1941, cerca de 5 mil foram executados. Aqueles que sobreviveram foram enclausurados em um gueto: vários quarteirões do centro da cidade cercados por arame farpado. Em outubro de 1942, veio a ordem para eliminá-los. Os judeus embarcavam em trens de carga com destino a uma floresta em Bronnaya Gora, a 100 km de Brest. Ali, na beira de um desfiladeiro, eram executados sumariamente. Massacre nazista Acredita-se que o túmulo recém-descoberto guarde os corpos daqueles que conseguiram inicialmente se esconder dos assassinatos em massa, para depois serem mortos. "Quando meus pais voltaram, metade da cidade estava vazia", ​​diz Mikhail Kaplan, enquanto olha fotos em preto e branco na mesa da cozinha. Sua mãe e seu pai só escaparam do massacre porque estavam fora da cidade quando os alemães invadiram Brest. As fotografias de Mikhail são de tias, tios e primos - todos mortos no Holocausto. "Meu pai nunca falou sobre o que aconteceu, era muito doloroso. Mas minha avó chorava o tempo todo chamando por 'Lizochka, Lizochka'", lembra ele, fazendo referência à sua tia Liza, que aparece em uma das fotos vestida para sair à noite com os amigos. Depois da guerra, porém, Mikhail diz que o massacre dos judeus não foi rememorado. "Todo mundo sabia o que tinha acontecido, mas ninguém falava disso oficialmente", diz. "Os alemães nos destruíram, deliberadamente. Os soviéticos ficaram em silêncio." Até hoje, o único museu do Holocausto em Brest fica em uma pequena sala administrada pela comunidade judaica, que voltou à cidade após sua libertação. As exibições incluem as histórias de sobreviventes que se esconderam em andares falsos ou atrás das paredes de suas casas por meses. Descoberta dolorosa Há também um registro com dados municipais mantido pelos alemães. Em 15 de outubro de 1942, esses documentos contabilizavam 17.893 judeus em Brest. No dia seguinte, esse número caiu substancialmente. "Por isso sabemos quando o gueto foi liquidado", diz o líder comunitário Efim Basin. Ele suspeitava que os operários pudessem encontrar alguns corpos no canteiro de obras, mas nunca tantos. "Isso só mostra o quão pouco sabemos sobre a nossa história", diz. Basin tem vasculhando os arquivos ao longo dos anos, trabalhando para corrigi-los. Mas os testemunhos são limitados, e o destino dos judeus na Bielorrússia sempre acabou misturado com as perdas catastróficas que a região como um todo teve sob a ocupação. "Autoridades repetiram o mantra 'Nunca se esqueça!' sobre as vítimas, mas a história dos judeus foi abafada", lembra. "Memoriais de guerra eram todos dedicados a 'cidadãos soviéticos'", diz ele. Basin diz acreditar que isso se deve em parte a um antissemitismo, em parte à defesa do ideal "uma só nação" por parte dos soviéticos. "Mas é uma ofensa. Os judeus não foram mortos por resistir aos nazistas. Foram assassinados porque eram judeus." Percorrendo a cidade, Basin aponta os muitos vestígios da vida judaica. Eles incluem a sinagoga principal que deu lugar a um cinema nos anos soviéticos. As paredes de mármore originais ainda estão intactas - sólidas demais para serem destruídas. O cemitério judaico, parcialmente demolido pelos nazistas, foi destruído de vez pela União Soviética. Por cima do que restou dela, foi construído um estádio esportivo. O único memorial do Holocausto no centro da cidade foi criado pela própria comunidade judaica. Agora, eles estão pressionando por um novo monumento oficial, no local da execução. "Algumas pessoas dizem que estão construindo (apartamentos) sobre ossos, mas isso não é verdade", diz Alla Kondak, do departamento de cultura da cidade. "Só vamos parar [a escavação] quando todos os restos tenham sido recuperados." Os ossos serão reenterrados no cemitério da cidade. Mas parece que, ainda hoje, poucos moradores de Brest conhecem o destino dos antigos moradores judeus. "Não aprendemos nada na escola sobre o gueto de Brest", admitem à reportagem duas mulheres na faixa dos 20 anos. "Não acho que alguém da nossa idade realmente saiba." "Não sei nada sobre o gueto ou as sepulturas", diz uma senhora mais idosa, perto do local da escavação. Mas, a cada fragmento retirado da vala, acrescenta-se mais uma parte da história difícil de ignorar.

Fonte: BBC BRASIL

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