Manifestantes saíram ontem às ruas de Los Angeles pelo terceiro dia consecutivo em protesto contra as operações do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês), apesar da ordem do presidente Donald Trump de convocar 2 mil soldados da Guarda Nacional para conter os protestos. Imagens do tumulto mostraram os soldados da guarda posicionados nos perímetros enquanto agentes federais e da polícia de LA entravam em confronto direto com os civis. Segundo a polícia, dois policiais ficaram feridos e “várias pessoas foram presas”, sem especificar quantas. Manifestantes bloquearam estradas e atearam fogo em carros.
O governador da Califórnia, Gavin Newsom, pediu aos manifestantes para protestarem pacificamente e "não darem o que Trump quer". O democrata solicitou formalmente ao secretário de Defesa, Pete Hegseth, que a mobilização das tropas — decretada à revelia do estado — seja revogada.

“Não tínhamos um problema até Trump se envolver”, escreveu Newsom no X. “Isso é uma violação séria da soberania estadual, inflama tensões enquanto retira recursos de onde eles realmente são necessários.”
O Departamento de Polícia de Los Angeles declarou o protesto como "ilegal”, autorizando o “uso de munições menos letais”. Vídeos mostram os agentes lançando bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo e disparando projeteis de borracha contra a multidão. Soldados da Guarda Nacional aparecem nas imagens empunhando escudos e cassetetes. Muitos manifestantes filmaram os rostos e os crachás dos policiais, segundo relatos do New York Times.
“Todas as pessoas devem deixar a área ou estarão sujeitas à prisão”, disse a força em uma postagem no X, em referência ao protesto, em frente ao Centro de Detenção Metropolitano da Califórnia. “O uso de munições menos letais foi autorizado pelo Comandante da Ocorrência. Pessoas que jogarem objetos contra os policiais serão detidas e presas.”

Importantes vias da cidade foram bloqueadas pelos manifestantes, incluindo a rodovia 101, que já foi interditada em anos anteriores durante protestos pela justiça racial. Imagens aéreas mostraram quilômetros de trânsito congestionado.
Dois policiais ficaram feridos quando dois motociclistas tentaram romper uma linha de confronto durante um protesto no centro da cidade, informou a agência em X. Os policiais receberam atendimento no local e os motociclistas foram detidos.
De acordo com o Departamento de Polícia de Los Angeles, "várias pessoas foram presas", sem especificar quantas. O departamento informou anteriormente que começaria a fazer prisões se as pessoas não se dispersassem após os protestos serem declarados ilegais. Uma equipe da CNN in loco afirmou ter visto várias pessoas detidas e algemadas.
Já à noite, manifestante atearam fogo em carros no centro de Los Angeles. Vídeos mostram veículos cobertos de grafites com mensagens de protesto contra o ICE, entre eles ao menos quatro em chamas, segundo contagem da BBC. Os automóveis parecem ser do modelo Waymo, um modelo de carro autônomo desenvolvido pelo Google.
Uso incomum da guarda
No sábado, Donald Trump disse a repórteres que havia advertido Newsom para “tomar conta” da situação em Los Angeles ou enviaria a Guarda Nacional — o que fez já à noite. Newsom classificou a decisão como “deliberadamente inflamatória”
A Guarda Nacional é uma força reserva das Forças Armadas dos Estados Unidos, normalmente operando em nível estadual. Normalmente, ela é convocada pelo governador, mas Trump usou uma disposição legal pouco utilizada para federalizar a tropa, sem a concordância do estado.
A guarda costuma ser mobilizada em situações de emergência, como desastres naturais, mas seu envio é incomum em casos de protestos. Em 2020, seus soldados foram convocados após os distúrbios provocados pela morte de George Floyd.

Críticos apontam que a manobra usada pela Casa Branca extrapola os poderes presidenciais e acendem o alerta para o risco de escalada autoritária, uma vez que o uso de uma força militar em ações do tipo dentro do território americano é raro.
A vice-governadora da Califórnia, Eleni Kounalakis, disse em entrevista à CN que é provável que o estado entre com uma ação judicial contra o presidente Trump pela mobilização da Guarda Nacional.
— Acredito que amanhã veremos uma ação judicial reconhecendo que ele não tinha autoridade para convocar a Guarda Nacional para lidar com 400 pessoas protestando de uma forma que as autoridades locais poderiam claramente controlar — disse Kounalakis.
Reação
Governadores democratas dos EUA criticaram o envio da Guarda Nacional, afirmando que a autoridade deve ficar a cargo da liderança estadual.
“A decisão do presidente Trump de enviar a Guarda Nacional da Califórnia é um abuso de poder alarmante”, afirmaram os governadores em comunicado conjunto. “É importante respeitarmos a autoridade executiva dos governadores do nosso país para administrar suas Guardas Nacionais.”
Por sua vez, a prefeita de Los Angeles, a democrata Karen Bass, disse que a chegada da Guarda Nacional criou um “caos intencional”. Ela afirmou que já havia conversado com representantes do governo Trump e garantido a eles que a situação em Los Angeles estava sob controle.
— Não precisamos ter nossa cidade sitiada — disse em entrevista à rede americana CNN. — Isso semeia um caos que não é justificado nem necessário na cidade de Los Angeles. É como se as tropas tivessem sido enviadas de forma provocativa e não vejo como isso pode ajudar Los Angeles neste momento, não é o tipo de recurso de que precisamos na cidade.
Em uma publicação na sua rede social, Truth Social, Trump acusou os manifestantes de atacarem agentes do ICE e disse ter instruído a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, e a secretária de Justiça, Pam Bondi, a “tomarem todas as medidas necessárias para pôr fim a esses distúrbios de migrantes”.
"Multidões violentas e insurrecionistas estão se aglomerando e atacando nossos agentes federais para tentar impedir nossas operações de deportação", escreveu ele. "A ordem será restaurada, os ilegais serão expulsos e Los Angeles será libertada."
A secretária de Segurança Interna enfatizou que a Guarda Nacional chegou a Los Angeles para “manter a lei e a ordem” após os confrontos da noite passada em Paramount. Em entrevista à CBS News, Noem se recusou a dizer onde exatamente a Guarda Nacional poderia ser destacada, depois que seus membros e veículos foram vistos estacionados em um prédio federal na cidade.
— Eles estão lá sob orientação do presidente para manter a paz e permitir que as pessoas possam protestar — disse. — Eles podem usar suas habilidades especiais para manter a paz.
Noem sugeriu ainda que Trump passou por cima do governador californiano pelo democrata ter “provado que toma decisões ruins”:
— É por isso que o presidente escolheu a segurança desta comunidade em vez de esperar que o governador Newsom recuperasse o bom senso.
A ex-vice-presidente Kamala Harris chamou o envio da Guarda Nacional ao seu estado natal de uma “escalada perigosa” das manifestações. Candidata democrata à presidência em 2024 contra Donald Trump, Kamala tem sido apontada como uma potencial concorrente ao governo da Califórnia no próximo pleito.
“O envio da Guarda Nacional é uma escalada perigosa destinada a provocar o caos”, escreveu Harris em uma declaração no X. “Além das recentes batidas do ICE no sul da Califórnia e em todo o país, isso faz parte da agenda cruel e calculada do governo Trump para espalhar o pânico e a divisão. Continuo a apoiar os milhões de americanos que estão se levantando para proteger nossos direitos e liberdades mais fundamentais."
Fim de semana
Nos últimos dois dias, manifestantes entraram em confronto com agentes da Imigração em protesto contra a onda de batidas no estado, que tem uma das maiores comunidades latinas do país e uma das maiores populações de imigrantes.
O diretor interino do ICE, Todd Lyons, chamou os eventos de “chocantes” e acusou a prefeita de LA de não ter agido para conter os manifestantes. Segundo ele, Bass tomou “o lado do caos e da ilegalidade em detrimento da aplicação da lei”.
“Nossos bravos agentes estavam em grande desvantagem numérica, pois mais de mil manifestantes cercaram e atacaram um prédio federal”, disse em comunicado. "Levou mais de duas horas para o Departamento de Polícia de Los Angeles responder, apesar de ter sido chamado várias vezes”.
Mobilização de fuzileiros navais
O secretário de Defesa, Pete Hegseth, ameaçou mobilizar o Exército, que tem uma base próxima ao local dos protestos. Em caso de necessidade, os "fuzileiros navais de Camp Pendleton também serão mobilizados. Já estão em alerta", anunciou nas redes sociais.
Horas depois, o Comando Norte dos EUA anunciou que aproximadamente 500 fuzileiros navais na ativa estão em “estado de prontidão para mobilização” Os fuzileiros navais seriam mobilizados do Centro de Combate Aéreo-Terrestre do Corpo de Fuzileiros Navais em Twentynine Palms, Califórnia, de acordo com um comunicado. O uso de tropas na ativa, especialmente contra a vontade das autoridades locais, marcaria uma escalada significativa na resposta do governo federal aos distúrbios.
Caça aos migrantes
As operações contra migrantes sem documentos são parte das políticas implementadas por Trump desde o início de seu governo, em janeiro. O republicano foi eleito para um segundo mandato em grande parte por sua promessa de reprimir a entrada e permanência de migrantes sem documentos nos Estados Unidos, que ele comparou a "monstros" e "animais".
"Estamos tornando Los Angeles mais segura. A prefeita Bass deveria nos agradecer", escreveu Tom Homan, o czar de segurança das fronteiras do governo Trump, no X.
O vice-diretor do FBI (polícia federal americana), Dan Bongino, afirmou que várias detenções foram efetuadas desde sexta-feira. No sábado, agentes do ICE se reuniram em uma área próxima a um depósito da empresa Home Depot, utilizada com frequência por pessoas que oferecem serviços como trabalhadores diaristas. Não foi determinado se os agentes se preparavam para uma operação ou se estavam no local por outro motivo.